sábado, julho 30, 2016

O que é a Filosofia? Hipótese de resposta 1. Platão


Harry Gruyaert, Bélgica 1941

Glauco — Quais são, então, na tua opinião, os verdadeiros filósofos?
Sócrates — Os que amam o espectáculo da verdade.
Glauco — Talvez tenhas razão. Mas que entendes por isso?
Sócrates — Não seria fácil de explicar a outra pessoa, mas creio que concordarás comigo nisto.
Glauco — Em quê? 
Sócrates — Visto que o belo é o contrário do feio, trata-se de duas coisas distintas.
 Glauco — Claro.
Sócrates — E, visto que são duas coisas distintas, cada uma delas é uma?
Sócrates — Acontece a mesma coisa com o justo e o injusto, o bom e o mau e todas as outras formas: cada uma delas, tomada em si mesma, é una; porém, dado que entram em comunidade com acções, corpos e entre si mesmas, revestem mil formas que parecem multiplicá-las. 
Glauco — Tens razão.
 Sócrates — E neste sentido que eu diferencio, de um lado, os que amam os espectáculos, as artes e são homens práticos; e, de outro, aqueles a quem nos referimos no nosso discurso, os únicos a quem com razão podemos denominar filósofos.

Glauco — Em que sentido?

Sócrates — Os primeiros, cuja curiosidade situa-se toda nos olhos e nos ouvidos, amam as belas vozes, as cores e as figuras bonitas e todas as obras em que entre alguma coisa de semelhante, mas a sua inteligência é incapaz de enxergar e apreciar a natureza do próprio belo.
Glauco — E assim mesmo.
Sócrates — Mas não são raros aqueles que são capazes de se elevar até à essência do próprio belo?
Glauco — Bastante raros.
Sócrates — Aquele que conhece as coisas belas, mas não conhece a beleza em sua essência e não é capaz de seguir aos que poderiam levá-lo a esse conhecimento, parece-te que vive sonhando ou acordado? Vê bem: sonhar não é, quer se esteja dormindo, quer acordado, tomar a aparência de uma coisa pela própria coisa? 
Glauco — Sem dúvida que sonhar é isso. 
Sócrates — Contudo, aquele que acredita que o belo existe em si mesmo, que pode admirá-lo na sua essência e nos objetos que nele participam, que nunca toma as coisas belas pelo belo nem o belo pelas coisas belas, parece-te que este vive acordado ou sonhando? 
Glauco — Acordado, sem dúvida. 
Sócrates — Então, não afirmaríamos com razão que o seu pensamento é igual a conhecimento, visto que sabe, ao passo que o do outro é igual a opinião, visto que julga sobre aparências? 
Glauco — Sem dúvida.
Sócrates — Porém, se este último, que, conforme nós achamos, julga pelas aparências e, por isso, não conhece, se exaltasse connosco e contestasse a veracidade da nossa afirmação, não teríamos nada a dizer-lhe para acalmá-lo e convencê-lo serenamente, ocultando-lhe ao mesmo tempo que está doente?


 Platão, Répública, Livro 5. 475d-476e

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