Leonard Freed
Ettienne Jules
Em primeiro lugar, não gostamos de ser chamados “refugiados”. Chamamo-nos uns aos outros “recém-chegados” ou “imigrantes”. Os nossos jornais são jornais para “americanos de língua alemã”; e, tanto quanto sei, não há e nunca houve qualquer clube fundado pelos perseguidos por Hitler cujo nome indicasse que os seus membros são refugiados. Um refugiado costuma ser uma pessoa obrigada a procurar refúgio devido a algum acto cometido ou por tomar alguma opinião política. Bom, é verdade que tivemos que procurar refúgio; mas não cometemos nenhum acto e a maioria de nós nunca sonhou em ter qualquer opinião política radical. O sentido do termo “refugiado” mudou connosco. Agora“refugiados” são aqueles de nós que chegaram à infelicidade de chegar a um novo país sem meios e tiveram que ser ajudados por comités de refugiados. Antes desta guerra começar eramos ainda mais sensíveis quanto ao sermos chamados refugiados. Demos o nosso melhor para provar aos outros que eramos apenas imigrantes comuns. Afirmávamos que tínhamos partido pela nossa própria vontade para países da nossa escolha e negávamos que a nossa situação tivesse algo a ver com “supostos problemas judaicos”. Sim,erámos“imigrantes”ou“recém-chegados”que tínhamos deixado o nosso país porque, num belo dia, não nos convinha mais ficar, ou puramente por razões económicas. Queríamos reconstruir as nossas vidas, isso era tudo. De modo a reconstruir a vida tem que se ser forte e optimista. Portanto, erámos bastante optimistas. Com efeito, o nosso optimismo é admirável, mesmo que sejamos nós a dizê-lo. A história da nossa luta finalmente tornou-se conhecida. Perdemos a nossa casa o que significa a familiaridade da vida quotidiana. Perdemos a nossa ocupação o que significa a confiança de que tínhamos algum uso neste mundo. Perdemos a nossa língua o que significa a naturalidade das reacções, a simplicidade dos gestos, a expressão impassível dos sentimentos. Deixámos os nossos familiares nos guetos polacos e os nossos melhores amigos foram mortos em campos de concentração e tal significa a ruptura das nossas vidas privadas. Não obstante, logo que fomos salvos – e a maioria de nós teve que ser salvo várias vezes – começámos a nossas novas vidas e tentávamos seguir tão próximo quanto possível todos os bons conselhos que os nossos salvadores nos transmitiram. Foi-nos dito; e esquecemos mais rápido do que alguém poderia imaginar. De um modo amigável foi-nos lembrado que o novo país tornar-se-ia uma nova casa; e depois de quatro semanas em França ou seis semanas na América, fingiríamos ser franceses ou americanos. Os mais optimistas entre nós teriam mesmo acrescentado que toda a sua vida anterior teria sido passada numa espécie de exílio inconsciente e apenas o seu novo país lhes ensinaria agora com o que se parece uma casa. É verdade que por vezes levantámos objecções quando nos disseram para esquecer o nosso trabalho anterior; e logo que o nosso estatuto social está em jogo é-nos extremamente difícil desembaraçarmo-nos dos nossos ideais. Com a língua, contudo, não encontramos dificuldades: depois de um único ano os optimistas estavam convencidos que falavam inglês tão bem quanto a sua língua materna; e depois de dois anos juravam solenemente que falavam inglês melhor do que qualquer outra língua – o seu alemão é uma língua que dificilmente lembram.
Hannah Arendt, Nós os refugiados
Tradução Ricardo Santos, Universidade da Beira Interior, Covilhã
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