sexta-feira, novembro 24, 2017

Porque precisamos da Retórica

Garry Winogrand. NY, 1964

Ainda se pode objetar que a retórica só é útil para aqueles que querem enganar o público e ocultar os seus objetivos reais, já que alguém que apenas quer comunicar a verdade pode ser directo e não precisará de ferramentas retóricas. Isso, no entanto, não é o ponto de vista de Aristóteles: mesmo aqueles que apenas tentam estabelecer o que é justo e verdadeiro precisam da ajuda da retórica quando enfrentam uma audiência pública. Aristóteles diz-nos que é impossível ensinar essa audiência, mesmo que o falante tenha o conhecimento exato do assunto. Obviamente, Aristóteles considera que a audiência de um discurso público consiste em pessoas comuns que não conseguem seguir uma prova exata baseada nos princípios de uma ciência. Além disso, essa audiência pode ser facilmente distraída por fatores que não pertencem ao assunto; às vezes são recetivos a lisonjas ou apenas tentam estar em vantagem. Esta situação torna-se ainda pior se a constituição, as leis e os hábitos retóricos de uma cidade forem maus. Finalmente, a maioria dos tópicos que geralmente são discutidos em discursos públicos não permitem conhecimento exato, mas deixam espaço para dúvidas; especialmente em tais casos, é importante que o orador pareça ser uma pessoa credível e que o público esteja num clima de simpatia. Por todas essas razões, afetar as decisões de jurados e assembleias é uma questão de persuasão e não de conhecimento. É verdade que algumas pessoas conseguem ser persuasivas, seja ao acaso ou por hábito, mas é a retórica que nos dá um método para descobrir todos os meios de persuasão em qualquer assunto.

 Aristotle's Rhetoric Article First published Thu May 2, 2002; substantive revision Mon Feb 1, 2010
Stanford Encyclopedia of Philosophy


sábado, novembro 18, 2017

sexta-feira, novembro 17, 2017

A técnica adequa-se ao objetivo. Uma técnica adequada é bom, independentemente do que se diz ou conclui?




"Para convencer alguém de uma verdade ou desviá-lo de um erro (...), a primeira regra a seguir é fácil e natural: apresentar primeiro as premissas e em seguida a conclusão. E, contudo, esta regra raramente é respeitada, procedendo-se exatamente ao contrário. Um zelo impaciente e a necessidade de ter razão pressionam-nos a gritar bem alto a conclusão a quem erradamente defende o oposto. Este procedimento torna o nosso oponente respingão, e a partir daí a sua vontade mostra-se rebelde aos argumentos e às premissas de que ele, antecipadamente, conhece a conclusão.
Assim, devemos dissimular a conclusão e apresentar as premissas com clareza, e sob todos os seus aspetos. Se possível, não devemos sequer anunciar a conclusão. Ela acabará por se impor inevitavelmente, em virtude de leis necessárias, à razão dos auditores e a convicção que nasce assim espontaneamente neles, será mais sincera; além disso, em vez de os encher de confusão, ela será acompanhada de um sentimento de mérito pessoal.
Em casos difíceis, podemos mesmo fingir querer chegar a conclusões diferentes daquelas que realmente temos em mente (...)
Não devemos produzir argumentos excessivos. Por isso os chineses enunciam a seguinte máxima: "aquele que é eloquente e que tem a língua afiada só deverá enunciar metade de uma proposição; e aquele que tem a razão do seu lado pode voluntariamente sacrificar três décimas do seu discurso."

Shopenhauer, O mundo como vontade e representação

terça-feira, novembro 07, 2017

RETÓRICA, PROPAGANDA E MANIPULAÇÃO


A manipulação conscienciosa e inteligente dos hábitos organizados e das opiniões é um elemento importante da sociedade democrática. Aqueles que manipulam este oculto mecanismo da sociedade constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder regulador do nosso país.
Somos governados, as nossas mentes moldadas, os nossos gostos formados, as nossas ideias sugeridas, em grande medida por homens dos quais nunca ouvimos falar. Este é o resultado lógico do modo com a nossa democracia está organizada. Um vasto número de seres humanos têm de cooperar desta maneira se querem viver em conjunto como uma sociedade que funcione tranquilamente. (...)

Nos dias em que os reis eram reis, Luís XIV proferiu esta modesta observação: “O Estado sou eu”. Ele estava quase certo.
Mas os tempos mudaram. A máquina a vapor, a impressão em série, a escola pública, este trio da revolução industrial, retirou o poder aos reis e deu-o ao povo. O povo hoje conquista o poder que o rei perdeu. O poder económico tende a ser arrastado pelo poder político; a história da revolução industrial mostra como o poder passou do rei e da aristocracia para a burguesia. O sufrágio universal e a escola universal reforçaram esta tendência, e por fim mesmo a burguesia sente-se ameaçada pelas pessoas comuns. As massas prometem ser o próximo rei.
Hoje, contudo, surge uma reação. A minoria descobriu um poderoso auxiliar para influenciar as massas. Tornou-se então possível moldar a mentalidade das massas que se lançarão com o seu vigor recém-adquirido na direção desejada. Na actual estrutura da sociedade, esta prática é inevitável. Qualquer que seja a importância social que lhe é dada hoje, seja na política, finança, industria, agricultura, caridade, educação, ou noutros campos, deve ser feita com recurso à propaganda. A propaganda é o braço executor do governo invisível.
Supunha-se que a literacia universal educaria o homem comum a controlar o meio ambiente. Uma vez que podia ler e escrever poderia ter uma mentalidade apta a governar. Mas em vez de uma mentalidade, a literacia universal ofereceu-lhe carimbos, carimbos esses pintados com slogans publicitários, com editoriais, com dados científicos, com as trivialidades dos tablóides e as vulgaridades da história, mas pouco inocentes no que respeita à originalidade. Cada carimbo humano é duplicado de milhões de outros, de modo que quando estes milhões são expostos aos mesmos estímulos, recebem todos impressões idênticas. (…)O mecanismo pelo qual as ideias são disseminadas em larga escala é a propaganda, no sentido lato de um esforço organizado para espalhar uma convicção ou uma doutrina.
Estou consciente que a palavra propaganda provoca em muitas mentes uma conotação desagradável. De qualquer maneira, em qualquer circunstância, a propaganda ser boa ou má depende do mérito da causa advogada, e da correção da informação publicada.(…)

Trotter e Le Bon concluíram que a mentalidade de grupo não pensa no sentido estrito da palavra. Em vez de pensamentos tem impulsos, hábitos, e emoções. Ao elaborar o seu pensamento o primeiro impulso geralmente é seguir o exemplo de um líder em que se confia. Este é um dos princípios mais firmemente estabelecidos da psicologia de massas. Funciona a subida ou diminuição de prestígio de uma estância estival, ao provocar uma corrida a um banco, ou o pânico na cotação de ações, ao criar um “best-seller” ou u êxito de bilheteira. Mas quando o exemplo do líder não está à mão e a multidão tem de pensar por si, fá-lo com o recurso a clichés, palavras ou imagens que permanecem na globalidade de um grupo de ideias e experiências. Não há muitos anos atrás, era somente preciso etiquetar um candidato político com a palavra interesses para fazer com que milhões de pessoas votassem contra ele, porque qualquer coisa associada a “os interesses” parecia necessariamente corrupta. Recentemente a palavra Bolchevique tem desempenhado um serviço semelhante a pessoas que desejam assustar o público para o afastar de uma linha de ação.(…)
Os homens raramente se apercebem das verdadeiras razões que motivaram as suas ações. Um homem pode acreditar que compra um carro porque, depois de ter cuidadosamente estudado as características técnicas de todas as marcas no mercado, concluiu que aquele é o melhor. Quase de certeza que se está a enganar a si próprio. Compra-o, talvez, porque um amigo, cuja esperteza financeira respeita, comprou um na semana anterior; ou porque os seus vizinhos crêem que ele não é capaz de ter recursos para comprar um carro daquela categoria; ou porque vem com as cores do lar universitário de estudantes em que viveu.
Foram principalmente os psicólogos da escola de Freud que identificaram que muitos dos pensamentos e ações do homem são substitutos compensatórios dos desejos que são obrigados a reprimir. (…) Os desejos humanos são o vapor que faz a máquina social funcionar. Só compreendendo-os o propagandista pode controlar esse vasto mecanismo, ao mesmo tempo solto e unido, que é a sociedade moderna.

Edward Bernays (1928) Propaganda, Lisboa, Mareantes Editora, 2005 (p.p 19, 31,32,  64,66)


quinta-feira, novembro 02, 2017

Como os filósofos são corporativistas.



Quanto à Filosofia de Descartes, acerca da qual pergunta a minha opinião, não hesito em dizer, com firmeza, que leva ao ateísmo. Para mim, que considerei tudo atentamente, existem algumas coisas muito suspeitas como, por exemplo, estas duas passagens:
“A causa final não deve ser considerada na física." "A matéria leva sucessivamente todas as formas das quais é capaz.”
Há uma admirável passagem no Fédon, em que Platão culpa justamente Anaxágoras pela mesma coisa que me desagrada em  Descartes. Acredito que as leis da mecânica, que servem de base a todo o sistema físico, dependem de causas finais; o mesmo é dizer, da vontade de Deus determinado a fazer o que é mais perfeito, pois essa matéria não assume todas as formas possíveis, mas apenas a mais perfeita; caso contrário, seria necessário dizer que chegaria um momento em que tudo seria mau à vez, o que está muito distante da perfeição do autor das coisas. Quanto ao resto, se Descartes fosse menos dado a hipóteses imaginárias e mais ligado às experiências, acho que sua física teria sido digna de ser seguida. Pois devo admitir que ele tinha grande penetração. Quanto à sua geometria e análise está longe de ser tão perfeita quanto muitos o pretendem, mas é uma investigação de problemas insignificantes. Quanto à sua metafísica, tem vários erros e não conheceu a verdadeira fonte das verdades nem aquela análise geral de noções que Jung1, na minha opinião, entendeu melhor do que ele.  No entanto, confesso que a leitura de Descartes é muito útil e muito instrutiva, e que eu gosto incomparavelmente mais de o fazer com um cartesiano do que com um homem de alguma outra escola. Finalmente, considero esta filosofia como a antecâmara da verdadeira filosofia.


Leibniz, Extrato de uma carta a Philipp, 1679.

1. Joachim Jung ou Jungius (Lübeck, 22 de outubro de 1587 — Hamburgo, 7 de Setembro de 1657) foi um filósofo, matemático e naturalista alemão. Contemporâneo de Johannes Kepler (1571-1630) e de René Descartes (1596-1650), Jung tornou-se uma das principais figuras da ciência no século XVII.