A manipulação conscienciosa e inteligente dos hábitos organizados e das opiniões é um elemento importante da sociedade democrática. Aqueles que manipulam este oculto mecanismo da sociedade constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder regulador do nosso país.
Somos governados, as nossas mentes moldadas, os nossos gostos formados, as nossas ideias sugeridas, em grande medida por homens dos quais nunca ouvimos falar. Este é o resultado lógico do modo com a nossa democracia está organizada. Um vasto número de seres humanos têm de cooperar desta maneira se querem viver em conjunto como uma sociedade que funcione tranquilamente. (...)
Nos dias em que os reis eram reis, Luís XIV proferiu esta
modesta observação: “O Estado sou eu”. Ele estava quase certo.
Mas os tempos mudaram. A máquina a vapor, a impressão em
série, a escola pública, este trio da revolução industrial, retirou o poder aos
reis e deu-o ao povo. O povo hoje conquista o poder que o rei perdeu. O poder
económico tende a ser arrastado pelo poder político; a história da revolução
industrial mostra como o poder passou do rei e da aristocracia para a
burguesia. O sufrágio universal e a escola universal reforçaram esta tendência,
e por fim mesmo a burguesia sente-se ameaçada pelas pessoas comuns. As massas
prometem ser o próximo rei.
Hoje, contudo, surge uma reação. A minoria descobriu um
poderoso auxiliar para influenciar as massas. Tornou-se então possível moldar a
mentalidade das massas que se lançarão com o seu vigor recém-adquirido na
direção desejada. Na actual estrutura da sociedade, esta prática é inevitável.
Qualquer que seja a importância social que lhe é dada hoje, seja na política,
finança, industria, agricultura, caridade, educação, ou noutros campos, deve
ser feita com recurso à propaganda. A propaganda é o braço executor do governo
invisível.
Supunha-se que a literacia universal educaria o homem comum
a controlar o meio ambiente. Uma vez que podia ler e escrever poderia ter uma
mentalidade apta a governar. Mas em vez de uma mentalidade, a literacia
universal ofereceu-lhe carimbos, carimbos esses pintados com slogans publicitários, com editoriais,
com dados científicos, com as trivialidades dos tablóides e as vulgaridades da
história, mas pouco inocentes no que respeita à originalidade. Cada carimbo
humano é duplicado de milhões de outros, de modo que quando estes milhões são
expostos aos mesmos estímulos, recebem todos impressões idênticas. (…)O
mecanismo pelo qual as ideias são disseminadas em larga escala é a propaganda,
no sentido lato de um esforço organizado para espalhar uma convicção ou uma
doutrina.
Estou consciente que a palavra propaganda provoca em muitas
mentes uma conotação desagradável. De qualquer maneira, em qualquer
circunstância, a propaganda ser boa ou má depende do mérito da causa advogada,
e da correção da informação publicada.(…)
Trotter e Le Bon concluíram que a mentalidade de grupo não
pensa no sentido estrito da palavra. Em vez de pensamentos tem impulsos,
hábitos, e emoções. Ao elaborar o seu pensamento o primeiro impulso geralmente
é seguir o exemplo de um líder em que se confia. Este é um dos princípios mais
firmemente estabelecidos da psicologia de massas. Funciona a subida ou diminuição
de prestígio de uma estância estival, ao provocar uma corrida a um banco, ou o
pânico na cotação de ações, ao criar um “best-seller” ou u êxito de bilheteira.
Mas quando o exemplo do líder não está à mão e a multidão tem de pensar por si,
fá-lo com o recurso a clichés, palavras ou imagens que permanecem na
globalidade de um grupo de ideias e experiências. Não há muitos anos atrás, era
somente preciso etiquetar um candidato político com a palavra interesses para fazer com que milhões de
pessoas votassem contra ele, porque qualquer coisa associada a “os interesses”
parecia necessariamente corrupta. Recentemente a palavra Bolchevique tem
desempenhado um serviço semelhante a pessoas que desejam assustar o público
para o afastar de uma linha de ação.(…)
Os homens raramente se apercebem das verdadeiras razões que
motivaram as suas ações. Um homem pode acreditar que compra um carro porque,
depois de ter cuidadosamente estudado as características técnicas de todas as
marcas no mercado, concluiu que aquele é o melhor. Quase de certeza que se está
a enganar a si próprio. Compra-o, talvez, porque um amigo, cuja esperteza
financeira respeita, comprou um na semana anterior; ou porque os seus vizinhos
crêem que ele não é capaz de ter recursos para comprar um carro daquela
categoria; ou porque vem com as cores do lar universitário de estudantes em que
viveu.
Foram principalmente os psicólogos da escola de Freud que
identificaram que muitos dos pensamentos e ações do homem são substitutos
compensatórios dos desejos que são obrigados a reprimir. (…) Os desejos humanos
são o vapor que faz a máquina social funcionar. Só compreendendo-os o
propagandista pode controlar esse vasto mecanismo, ao mesmo tempo solto e
unido, que é a sociedade moderna.
Edward Bernays (1928) Propaganda, Lisboa, Mareantes Editora,
2005 (p.p 19, 31,32, 64,66)