sexta-feira, junho 29, 2018

Erros do exame de Filosofia

7. O caso seguinte serve para testar a teoria da justiça de Rawls. Um indivíduo sofre de graves deficiências mentais, e um outro tem um grande talento matemático. Estando satisfeitas as necessidades materiais de ambos, a sociedade dispõe de recursos adicionais que permitem ajudar apenas um deles. Desse modo, ou o indivíduo com graves deficiências mentais terá um apoio educativo suplementar, que não irá melhorar significativamente a sua vida, ou será proporcionada uma educação superior ao indivíduo com talento matemático, que dela retirará a grande satisfação de desenvolver todas as suas potencialidades nesse domínio. 
Quem, contra Rawls, defender a opção de ajudar o indivíduo com talento matemático estará a pôr em causa
(A) a existência de bens sociais primários. 
(B) o dever de imparcialidade.
(C) o princípio da diferença. 
(D) o princípio da igualdade de oportunidades.

A resposta correta seria, de acordo com os critérios oficiais, a C. Considero que essa resposta não é satisfatória de acordo com o problema. O problema consiste em considerar que o Estado deve apoiar o indivíduo mais talentoso em detrimento daquele com menos capacidades. Ora essa escolha acentua as desigualdades de nascimento, destruindo, em vez de criar, mais igualdade entre estes dois cidadãos. Violaria o princípio da igualdade de oportunidades e não o princípio da diferença,  pois o texto é omisso em relação à contribuição do indivíduo mais talentoso e mais apoiado para o bem do outro, mais desfavorecido, não diz que essa mais valia é por si valiosa, ou que contribui para o bem geral ou outra qualquer consequência, logo, nenhuma seria possível tirar.

sábado, junho 23, 2018

Poesia da Semana: O Homem Que LÊ (Rainer Maria Rilke)



O Homem que Lê

Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexão
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde... em todas elas.
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
Então sei: sobre os jardins
transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
o sol deve ter surgido de novo. —
E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas
e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se o pouco que ainda acontece.

E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
então a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela é como a última casa.

Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens"
Tradução de Maria João Costa Pereira

domingo, junho 17, 2018

(Foto:Seymour)

Para os meus alunos que amanhã vão ficar duas horas e meia a resolver questões como: o que é ser Racionalista? Haverá razões para o ser? O que vale um contra exemplo? A verdade está no parecer ou no ser? O que está em jogo nos dilemas?
Ok...vamos com calma… só vos quero dizer…

BOA SORTE PESSOAL!! 

Que todos os querubins do mundo vos inspirem!! 

sábado, junho 09, 2018

Plurais filosofias, plurais objetos.






Não devemos, pois, admirar-nos que uma utilização imediata tão impura projete sombra sobre o empirismo claro e deforme o nosso perfil epistemológico. Basta manejar um instrumento mal afiado para que se constate esta deformação psicológica. Basta uma raiz a interromper o ritmo da enxada para que se apague a alegria do jardineiro, para que o trabalhador, esquecendo a clara racionalidade da sua tarefa, anime o instrumento de uma energia vingadora. Seria interessante circunscrever bem este conceito de energia triunfante; ver-se-ia que ele dá a determinados pensamentos uma segurança, uma certeza, um sabor, que enganam acerca da sua verdade. O perfil epistemológico da noção de energia em Nietzsche, por exemplo, bastaria talvez para explicar o seu irracionalismo. Com uma noção falsa pode fazer-se uma grande doutrina. (…)

Um conhecimento particular pode expor-se numa filosofia particular; mas não pode fundar-se

numa filosofia única; o seu progresso implica aspetos filosóficos variados. (…)

Em resumo, a qualquer atitude filosófica geral, pode opor-se, como objeção, uma noção particular cujo perfil epistemológico revela um pluralismo filosófico. Uma só filosofia é, pois, insuficiente para dar conta de um conhecimento preciso. Se então se quiser fazer, a diferentes espíritos, exatamente a mesma pergunta a propósito de um mesmo conhecimento, ver-se-á aumentar singularmente o pluralismo filosófico da noção. Se ao interrogar-se sinceramente acerca de uma noção tão precisa como a noção de “massa” um filósofo descobre em si cinco filosofias, quantas se obterão se interrogarem vários filósofos a propósito de várias noções! Mas todo este caos pode ordenar-se se considerarmos que uma só filosofia não pode explicar tudo e se quisermos dar uma ordem às filosofias. Por outras palavras, cada filosofia fornece apenas uma banda do espectro nocional, e é necessário agrupar todas as filosofias para termos o espectro nocional completo de um conhecimento particular. Naturalmente, nem todas as noções têm, em relação à filosofia, o mesmo poder dispersivo. É raro que uma noção tenha um espectro completo. Existem ciências em que o racionalismo quase não existe. Existem outras em que o realismo está quase eliminado. Para formar as suas convicções, o filósofo tem muitas vezes o hábito de procurar apoios numa ciência particular, ou no pensamento pré-científico do senso comum. Ele pensa então que uma noção é o substituto de uma coisa, em vez de pensar que uma noção é sempre um momento da evolução de um pensamento. Só será, pois, possível descrever a vida filosófica das noções estudando as noções filosóficas implicadas na evolução do pensamento científico. As condições tanto experimentais como matemáticas do conhecimento científico alteram-se com tanta rapidez que os problemas se colocam diferentemente para o filósofo de dia para dia. Para acompanhar o pensamento científico, é necessário reformar os quadros racionais e aceitar as novas realidades.


Gaston Bachelard, A Filosofia do Não, Abril S.A Cultural, S. Paulo, p.28,29,30

A questão do racionalismo e do empirismo deveria ser estudada de acordo com este princípio, ele dá-nos a dimensão do jogo de reflexos dos conceitos e como eles não correspondem ao mesmo objeto apesar de serem nomes idênticos.