sexta-feira, dezembro 21, 2018

Viver sem certeza

 Gerald Bloncourt (Haiti, 1926/2018), criança com boneca, França, Bidonville

 “ Estará o mundo dividido entre espírito e matéria, e sendo assim, que é espírito e que é matéria? Está a alma sujeita à matéria, ou tem energias independentes? Tem o Universo unidade ou fim? Evolui para algum objetivo? Há realmente leis da natureza, ou cremos nelas devido ao nosso inato amor da ordem? (…) Há um tipo nobre e um tipo baixo de vida, ou são todos meramente fúteis? Se um deles é nobre, em que consiste e como realizá-lo? Deve o bem ser eterno para poder ser apreciado, ou merece procurar-se ainda quando o Universo caminhe inexoravelmente para a morte? Existe de facto a sabedoria ou não passa de requinte derradeiro de loucura? Não há resposta em laboratório para tais questões. Pretenderam teologias dar respostas, todas demasiado definidas, o que as torna suspeitas aos espíritos modernos. Estudar essas questões, se não responder-lhes, é tarefa da filosofia.
Mas, então, dir-se-á, porque perder tempo com problemas insolúveis? Pode responder-se como historiador ou como homem em face do terror da solidão cósmica.
 (…)Desde que os homens foram capazes de especular livremente, as suas ações em inúmeros aspetos importantes dependeram das suas teorias sobre o mundo e a vida humana, assim como sobre o bem e o mal. Assim é hoje como foi antes. Para compreender uma idade ou uma nação temos de compreender-lhe a filosofia, e para isso temos de ser em qualquer grau filósofos. Há aqui uma causalidade recíproca. As circunstâncias da vida do homem concorrem muito para determinar a sua filosofia e, reciprocamente, a sua filosofia determina em muito as suas circunstâncias. Esta interação multisecular é o tópico das páginas seguintes (da história da filosofia).
 Há no entanto uma resposta mais pessoal. A ciência diz-nos o que sabemos, e é pouco; e se esquecemos quanto ignoramos ficaremos insensíveis a muitos factos da maior importância. Por outro lado, a teologia induz a crer dogmaticamente que temos conhecimento onde realmente só temos ignorância, e assim produz uma espécie de impertinente arrogância em relação ao Universo. A incerteza perante esperanças vivas e receios é dolorosa mas tem de suportar-se se quisermos viver sem o conforto dos contos de fadas. Nem é bom esquecer as questões postas pela filosofia, nem persuadirmo-nos de que lhes achámos resposta indubitável. Ensinar a viver sem certeza sem ser paralisado pela hesitação é talvez o mais importante dom que a filosofia do nosso tempo dá, a quem a estuda.
 

Bertrand Russell, História da Filosofia Ocidental,(1946) Relogio D’água, 2017, p. 13,14

terça-feira, dezembro 04, 2018

Futuro da humanidade depende das árvores, a “verdadeira fábrica do solo” .

Banco Mundial destina 176 mil milhões de euros ao combate às alterações climáticasHá mais de 40 anos, Jean-Philippe Beau-Douëzy, ecologista e engenheiro consultor na área do ambiente, iniciou-se naquela que viria a ser a sua luta pela conservação da natureza. Hoje, quer continuar a plantar árvores nativas porque diz serem o futuro da humanidade. Há 11 anos que trabalha na Fundação Yves Rocher, em França, onde é administrador do programa Plant for the Planet que consiste na plantação de 100 milhões de árvores em vários continentes com o objectivo de combater a erosão do solo, a perda de biodiversidade e recursos hídricos e para ajudar a agricultura local.
Jean-Philippe Beau-Douëzy, que esteve recentemente no Porto, já percorreu vários pontos do planeta. Passou pelo Sara, pelo Mediterrâneo, mas foi na Amazónia brasileira – onde chegou a ser baptizado por índios – que ganhou um novo pressuposto: o de lutar pela sua conservação. Em 1992, participou na Cimeira da Terra no Rio de Janeiro, mas, antes disso, em 1978, já organizava um dos primeiros simpósios com o tema Invenção Social e Ecologia Urbana, conceitos de que tanto se fala hoje em dia.
Que questões se discutiam em 1978 e que ligação têm hoje com as preocupações sobre a sustentabilidade e a eficiência das cidades?

Interessante que a conversa é a mesma. As questões são as mesmas, mudou a situação, que piorou. Por exemplo, naquela época a situação do mar não era a de hoje, não tinha tanto lixo. A situação na Amazónia não estava como hoje, estava muito menos desmatada, claramente. Também a biodiversidade não tinha a loucura de desaparecimento de hoje. As questões não mudaram, são as mesmas: o consumo de energia, o lixo. Por isso, o importante é fazer e não discutir. Não é preciso falar mais, tem que se fazer. Temos muitas áreas degradadas, muita terra degradada.
Como se aplica a todo o planeta uma política capaz de gerir e conservar o ambiente?
A questão não é política, a questão são as pessoas. A real pergunta é: será que as pessoas, hoje em dia, são capazes de entender que têm que plantar uma árvore? Se cada humano neste planeta for plantar uma árvore já vai mudar alguma coisa. Os políticos só falam e acabou. A responsabilidade é de todos nós. Cada um pode fazer e tem de fazer.
Nesse contexto, até que ponto temos de mudar a forma como vivemos?
Vamos ter de mudar e de nos adaptar com certeza. Especialmente no ocidente, onde temos um gasto enorme e temos, sempre, um consumo incrível. Há dois lados que têm de mudar: consumir menos e melhor e mais produtos locais. O comércio local deve ser apoiado.
Já reparei que em Portugal há muito a tradição de ter uma horta em casa – isso é muito bom e tem de continuar, é um bom caminho. Em França as hortas desapareceram. As pessoas compram verduras, até as biológicas, no supermercado. Isso é um absurdo. As verduras que se encontram no supermercado fizeram mil ou dois mil quilómetros para lá chegar e isso é um gasto brutal para o ambiente.
Entre todas as problemáticas ambientais, qual é a que mais lhe interessa? Porquê?
Sabemos que as mudanças climáticas existem e que têm efeitos na corrente do Golfo, efeitos visíveis. Estas mudanças climáticas e outras actividades humanas têm um efeito incrível na qualidade do solo, da terra, mas nós precisamos dela para nos alimentar.
Temos perdido muita terra por causa da erosão e da salinização dos solos e o que pode proteger e reconstituir a terra são as árvores. Elas são a verdadeira fábrica do solo. Hoje, continuamos a fazer a desflorestação e a monocultura da plantação de árvores – o que não presta, nenhuma das duas. Nenhum dos casos vai ajudar e ainda piora se usarmos árvores como pinheiros ou eucaliptos. As folhas do eucalipto têm um processo de decomposição muito lento e vão deixar a terra em más condições a longo prazo. Devem ser plantadas árvores nativas porque estão adaptadas ao solo. É preciso plantar uma árvore no coração das pessoas.
Acha que a tecnologia vai alguma vez conseguir vencer tudo aquilo que as árvores nativas fazem pelo nosso planeta?
A solução não é a tecnologia. A tecnologia está na moda e parece que vamos consertar a natureza com a tecnologia. Só que a única coisa que conseguimos fazer com a tecnologia foi acabar com muito do ambiente. Ainda temos muito a aprender com a natureza. Isto não quer dizer que a tecnologia não possa ajudar, mas a primeira coisa é estudar. Ainda não estudámos todos os pontos de como funciona uma floresta. As árvores são capazes de fotossíntese e nós não conseguimos replicar isso com tecnologia, até agora. Fazemos painéis solares muito poluentes, com muitos gastos. Não há comparação com o que faz a natureza. Além disso, é preciso perceber que o que é mais barato para parar o CO2 [dióxido de carbono] são as árvores.
O factor económico também é, por isso, importante?
Hoje em dia também tem de se considerar esse ponto. Mas não podemos pensar que vai ser só crescimento económico. Por exemplo, os eucaliptos têm uma saída económica muito fácil que é o fabrico de papel. Mas, a longo prazo, será que necessitamos de mais papel? Temos tanto papel no planeta que podemos reciclar. Os eucaliptos não vão conservar o solo e é preciso ver se há outras culturas que se possam encaixar de um ponto de vista mais ecológico.

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segunda-feira, dezembro 03, 2018

Morreu o filósofo e professor de Filosofia Fernando Belo

Uma entrevista em Colares 2011



Conheci-o. Recebia-me num gabinete no primeiro andar da Faculdade de Letras. Era rigoroso e um pouco ausente. Mandou-me reescrever o primeiro capítulo da minha primeira tese de mestrado. Bem, porque era uma algraviada ininteligível, mas depois de escrever 300 páginas sobre Michel FGoucault disse-lhe que não prosseguia. E assim foi o meu pequeno encontro com Fernando Belo.