Saber, porém, significa: poder manter-se na verdade. Essa é a manifestação do ente, O saber é por conseguinte: poder estar na manifestação do ente, suportá-la. Possuir simples conhecimentos, por mais amplos que sejam, não é saber. Mesmo tratando-se de conhecimentos "ligados à vida", modelados pela mais imperiosa necessidade, ainda assim, a sua posse, não é saber. Quem traz consigo tais conhecimentos e ainda se exercitou em algumas técnicas de uso prático, ficará, sem embargo, desarmado diante da realidade real, que sempre difere do que o cidadão comum entende por proximidade da vida e da realidade, e será necessariamente um inexperiente. E porquê? Porque não possui saber, pois saber significa: poder aprender. O poder-aprender supõe o poder-investigar. Investigar é o querer-saber esclarecido acima: a re-solução de abrir-se a um poder-suportar a manifestação do ente. Visto que se trata para nós da investigação da primeira questão em dignidade, tanto o querer como o saber são de índole particularmente originária. (...). A atitude de Investigação deve-se então esclarecer, assegurar e firmar pelo exercício. A nossa primeira tarefa consiste, pois, em desdobrar a questão: "Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?” Em que direção se poderá fazê-lo? Em primeiro lugar a questão tem um enunciado acessível pois proporciona, por assim dizer, uma amostra sobre a questão. Por isso sua formulação linguística tem que ser correspondentemente ampla e pouco rigorosa. Consideremos, sob este ponto de vista, o enunciado da nossa questão. "Por que há simplesmente o ente e não antes c Nada?". (...) Ora, na nossa questão indica-se, com toda exatidão, o que se investiga, a saber o ente. Aquilo em função do qual se investiga, aquilo pelo que se investiga, ê o porquê, ou seja o fundamento. Logo, o que ainda segue no enunciado da questão "e não antes o Nada?”, é mais um apêndice, que numa linguagem introdutória e pouco rigorosa se junta por si mesmo, mas nada acrescenta ao tema, seja aquilo que, seja aquilo pelo que se Investiga. É um floreio de adorno. Até sem o apêndice, que só nasce da abundância de um discurso impreciso, a questão ganha muito mais em precisão e exatidão: “Por que há simplesmente o ente?” O acréscimo, “e não antes o Nada?”, não só, com vista a uma formulação rigorosa, se torna supérfluo, como ainda mais, em razão de não dizer coisa alguma. Pois com efeito, o que se poderia ainda investigar no Nada? O Nada é simplesmente nada. Aqui a investigação já não tem nada mesmo o que procurar. Com a introdução do Nada, antes de tudo, não logramos o mínimo que seja para o conhecimento do ente. Quem fala do Nada, não sabe o que faz. Quem diz algo do Nada, transforma-o, ao fazê-lo. em alguma coisa. Dizendo algo, di-lo pois contra o que pensa. Contradiz-se a si mesmo. Ora, um dizer, que se contradiz, formula-se contra a regra fundamental de todo dizer (logos]-. contra a “Lógica”. Falar do Nada é ilógico. O homem, que fala e pensa de modo ilógico, está irremediavelmente fora da ciência. Quem, dentro da filosofia, onde a lógica tem a sua cidadela, fala do Nada, é atingido pela incriminação de faltar contra a regra fundamental de todo pensamento, ainda mais duramente, Um falar do Nada consta sempre de meras frases sem sentido. Ademais, quem leva o Nada a sério, coloca-se a favor do negativo. Favorece evidentemente o espírito de negação e serve apenas ao aniquilamento. Falar do Nada não só é inteiramente contrário ao pensamento, como arruína também toda cultura e qualquer fé. Qra, desprezar o pensamento, na sua lei fundamental, é como destruir a vontade construtiva e a fé, é, portanto, puro niilismo.
Martin Heidegger, Introdução à metafísica, 1999, Tempo Brasileiro