Jérôme Sessini, Prédios residenciais em Borodyanka destruídos por misseis
russos
Ucrânia, 9 Abril 9, 2022,
“É totalmente errado admitir que a objetividade da ciência está dependente da objetividade do cientista. Assim como é totalmente errado pensar que há maior objetividade, a nível individual, nas ciências da natureza, do que nas ciências sociais. O cientista da natureza é tão parcial quanto qualquer outro indivíduo e infelizmente – se não pertencer ao pequeno número dos que estão continuamente a produzir novas ideias -, é conquistado normalmente, de uma forma unilateral e parcial, pelas suas próprias ideias. Alguns dos mais destacados físicos contemporâneos fundaram inclusivamente escolas que opõem uma forte resistência a qualquer ideia nova.
Aquilo que se pode designar por objetividade científica encontra-se única e exclusivamente na tradição crítica, na tradição que, mau grado todas as resistências, permite muitas vezes criticar um dogma dominante. Dito de outro modo, a objetividade da ciência não é uma questão individual dos diversos cientistas, mas antes uma questão social da sua crítica recíproca, da divisão de trabalho, amistoso-hostil, dos cientistas, da sua colaboração, mas também das guerras entre si. Está, por conseguinte, dependente em parte de todo o conjunto de circunstâncias, sociais e políticas, que tornam possível tal crítica. (…)
Numa discussão crítica distinguem-se questões como: (1) a questão da verdade de uma asserção; a questão da sua relevância, do seu interesse e do seu significado relativamente aos problemas em causa. (2) A questão da sua relevância, do seu interesse e do seu significado relativamente a diversos problemas extra-científicos , como por exemplo o problema do bem estar humano, ou ainda, o problema completamente distinto da defesa interna, de uma política ofensiva nacional, do desenvolvimento industrial, ou do enriquecimento pessoal.
É obviamente impossível dissociar esses interesses extra-científicos da investigação científica; tal como é igualmente inviável, dissocia-los da investigação quer na área das ciências da natureza – no campo da física, por exemplo – quer na área das ciências sociais.
O que é possível e importante e que confere à ciência o seu carácter específico não é a eliminação, mas antes a distinção entre os interesses não inerentes à procura da verdade e o interesse puramente científico pela verdade. No entanto, se bem que a verdade constitua o valor científico essencial, não é o único. A relevância, o interesse e o significado de uma asserção relativamente à formulação puramente científica de um problema constituem igualmente valores científicos de primeira ordem, do mesmo modo que o são a inventividade, a capacidade de esclarecimento, a simplicidade e a precisão. (…)
…uma das tarefas da crítica e da discussão científicas é a de lutar contra a confusão das esferas de valores e, em particular, eliminar as valorações extra-científicas das questões relativas à verdade. (…) O cientista objetivo e despido de valores não é o cientista ideal. Sem paixão nada avança, e muito menos a ciência pura. A expressão “amor à verdade” não é uma mera metáfora.
Portanto, não só a objetividade e o despojamento de valores são praticamente inacessíveis ao cientista, como também essa objetividade e esse despojamento são já em si valores. E sendo o despojamento de valores ele mesmo um valor, a exigência desse despojamento constitui um paradoxo."
Karl Popper, Em busca de um mundo melhor, Lx, 1989, Ed. Fragmentos, pp77,78,79