Foram as guerras e as revoluções, e não o funcionamento dos
governos parlamentares e dos aparelhos dos partidos democráticos, que moldaram
as experiências políticas fundamentais do século XX. Ignorá-las equivale a não
vivermos no mundo em que de facto vivemos. (…) O que as guerras e as revoluções
têm em comum é o facto de estarem sob o signo da força bruta. Se as guerras e
as revoluções são as experiências políticas fundamentais do nosso tempo, tal
significa que estamos a mover-nos essencialmente sobre um terreno de experiência
violenta que nos impele a equacionarmos violentamente a ação política. Este
modo de equacionar as coisas pode revelar-se fatal, porque nas condições
presentes a única conclusão possível é que a ação política se torna sem
sentido, o que não deixa de ser bem compreensível dado o enorme papel que a
violência desempenhou efetivamente na história de todos os povos. (…) Se uma
ação política que não se coloca sob o signo da força bruta não alcança os seus
fins – como na realidade acontece sempre -, isso não torna a ação política nem
infundada nem sem sentido. Não passa a ser infundada porque nunca visou um
fundo, quer dizer um fim, mas se orientou apenas para objetivos, com maior ou
menor sucesso; e não passa a ser sem sentido porque no vaivém do discurso que
se troca entre indivíduos e povos, entre Estados e nações, começa por ser
criado um espaço em que tudo o mais tem lugar. Aquilo que em linguagem política
se chama “um corte de relações” é o abandono desse espaço-entre, que toda a
ação violenta começa por destruir antes de empreender a aniquilação daqueles
que vivem nas suas margens.
Hannah Arendt, A promessa da política, retirado de “The Literary
Trust of Hannah Arendt and Jerome Kohn” (2005), Relógio D’Água, Lx, 2007, p.159, 160 e 161
Este é o século XXI e a sensação é a mesma. A história caminha para o abismo. A força bruta cresce na proporção direta da descrença no diálogo, nesse espaço político comum entre nações; a política. A política pode negociar situações pacíficas porque se gera, alimenta e respira no espaço comum, o espaço humano, onde toda a diversidade humana está incluída, independentemente da etnia ou religião ou partido, esse espaço-entre. O seu reconhecimento por parte das nações/Estados que se digladiam e a necessidade marcante de renovação e de verdadeira ação, poderiam ser uma luz ao fundo do túnel. Guterres ontem tentou dizer que a força bruta surge da desesperança, pela falta de reconhecimento da humanidade do outro, perpetrando sobre ele toda a espécie de humilhações (Israel sobre a Palestina). Como representante das Nações Unidas, deve ter um olhar sobre a história, reconhecer essas humilhações sistemáticas e consentidas pelo Ocidente.HS